segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Ode ao que sobe


No programa de auditório a mulher
do americano cego que escalou o Everest
explica por que casou com ele:
Sempre quis uma vida extraordinária.
A platéia se arrebenta de aplausos.

Caminhando pela praia febril
longe de montanhas de gelo
recomponho o cotidiano
catando respostas nas pedras portuguesas:
branco sim, preto talvez.

A duzentos metros da areia despenca um balão
já sem fôlego, e morrem afogados
quatro rapazes esbeltos
que se encantavam com a graça do mundo
tão detalhado e perfeito lá das alturas,
até que o mar lhes veio ao encontro
bruto e inerte como uma planície de cimento.
Assisto da praia o espetáculo inútil do salvamento.
Daqui o espectro submerso de náilon
parece dançar uma valsa:
uma água-viva cintilante e amarela.

Você se mede por coisas tão grandes
mas hoje eu me aconchegaria
numa concha de mexilhão, que cabe em si
e que sabe que cabe em si.
Um poema verdadeiramente acabado já é vitória.
De resto, me contento em viver
testemunha de peregrinações verticais.
Eventualmente também, por que elas existem,
de suas quedas bruscas e mortíferas.


Um comentário:

Ricardo disse...

Radical, é o que resta para a vida ser... sejamos.