sexta-feira, 14 de setembro de 2007
No aniversario do Descobrimento
Coroam este ceu de noite
Outrora tao sereno
Cinquenta margaridas de polvora.
Ai esquecimento, ai limpido veneno--
Quanta flor plantada
Em tumba errada.
1997
Descaminho
Repare bem, que esta
E a ultima parada deste trem.
Aqui travam-se as rodas;
Dissipa-se a fumaca num gordo suspiro,
E cessa o canto sofrego da maquinaria.
A fornalha exhausta cospe uma faisca,
Se apaga, e
Se enfria.
Note bem:
Nao ha mais passageiros neste trem.
No forro dos bancos reluz
O inchaco mudo do abandono.
Apagaram-se os dedos nervosos
Do padeiro atrasado; a sandalia do menino
Que prendeu o dedo na janela; as pregas da
Saia da menina assanhada.
Mais alem, trilhos virgens furam a noite.
Mas este trem fica por aqui,
Travado no nunca,
Em meio-caminho.
A primeira gravura
Colher a figura
Com docura.
Nem sempre o cobre
Pede violencia. Mas
Quando esta chega,
Ja na primeira gravura,
Ha que saber colhe-la com os olhos,
Doma-la com a mao.
E guardar a faisca
No chao da boca.
Engolir seco, e talhar
A chapa com gana e
Fingida ternura.
1997
Onca
Voce so me rastreja
Porque conhece o proprio corpo,
Mas nao sera sempre assim.
Um dia tudo isso, cabeca, coracao e vento
Lhe parecerao impedimento, e perderas
A docura violenta que te guia. Mesmo
A pele esguia te pesara sobre os ombros --
Capa chumbada como o ar que se parte,
Endurecido. A tua danca ja nao correspondera
Ao teu desejo minucioso --
Ficaras pra sempre vizinho da perfeicao,
Perto o bastante para doer sem sangrar.
E o tempo -- rato, anjo, serafim --
Te roendo ate o fim.
1997
Antes da extincao das freiras
Pouco antes da extincao das freiras
Havera grande comocao nos conventos do pais.
Janeloes ha muito travados reabrirao,
E feixes de velhinas secas e pasteurizadas
Chorarao um lamento unissono, gutural.
Havera tambem ameacas, uns e outros
Bradando Cristos talhados feito finas adagas,
Rogando pragas em nome de Deus. Algum
Politico sensibilizado acionara a maquina publicitaria. Choverao
Panfeltos, intimidacoes. Nos chas da meia-tarde,
Madrinhas perfumadas evitarao o assunto, constrangidas.
Enquanto isso as mocas da cidade, vestidas de vermelho,
Pitarao alegres seus cigarrinhos mentolados.
Quando baixarem da colina o ultimo caixao,
Havera cinco exatos minutos de silencio.
Todos se benzerao, e entao recomecara
O baile suado das grandes cidades, onde vez ou outra
Alguem suspirara por um passado enterrado
Nalgum outro esquecimento.
1997
A prosa-poema
A prosa-poema e o maior dilema
Da literatura contemporanea.
Ninguem conseque solucionar o tal problema.
Intelectuais e beletristas se abatem
Para alcancar uma definicao.
Chovem saraivadas de tiros
No Pequeno Trianon.
Vez ou outra despenca da varanda
Algum fardado Imortal.
Comparecem todos ao Funeral.
Laureiam entao o ilustre sucessor
E retornam suando ao terrivel tema
Desta tal prosa-poema.
1997
Museu
Todo o feitio da foice, da chuva, da bota.
As costuras do teu rosto,
Essa boca que se desfia,
Duas maos empedradas sangrando argila
E essas temporas toscas e muradas--
Tudo isso me lembra mundos
Que nunca vivi.
Mas as vezes eu acho
Que o fim das coisas
E onde elas realmente comecam.
A sola da bota.
Onde voce tombou, misterio, eu nasci:
Ali todo intervalo se contrai,
Porque o teu rosto --
Retrato, relato, museu --
Escorre no tempo
Desagua no meu.
1997
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