quarta-feira, 15 de junho de 2011

Surubim


Na desova da piracema
quando pescador honesto
recolhe suas tarrafas,
o surubim, peixe de couro,
rastreia silencioso a barriga do rio.
Mas na feira de domingo
o pescador, homem de couro,
remendando a rede repete sempre:
surubim é peixe ignorante.
No São Francisco desceu
a vida toda peixe morto.
Surubim não sabe saltar.
Sai de dentro d’água e,
com a velocidade que vem,
bate com a cabeça na pedra
e morre na hora.
É essa a burrice do surubim,
apesar da carapaça que o reveste,
e do fundo escuro de leito de rio,
das esquisitices do lodo negro em que
só surubim se atreve.


2006

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Poesia reciclada (recycled poetry)

Alguns versos nascem das entrelinhas entre uma língua e outra.

ovo (versão 2.0)

ovo ermo
estala chora

chora morna
pura clara

clara corre
corre mole

demarrama
escorre
desliza

        morre.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

From the mouths of babes
Out of the mottled nightsky
Into the paper-grain
Words want to be born.

Over the steaming forest
Tales demand their telling.
Snippets of songs - and beats -
Bubble up through the sea-foam:
 pop! pop!
On the flatscreen dots
Dance impatiently their
Pixillated minuets. All await.

What do they say?
Hear me out! Spill me forth.
Words want to be born. And

It's just impossible
Not to write.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Fuga (2007)

A criatura que aterrisa no balcão da pia
é uma coisinha de cêra rosada e transparente.
Os olhos bolas pretas, esbugalhados.
Os dedos estirados agarrando o mármore,
o corpo tenso e inerte. Alerta.

A tua fragilidade e a tua pequenez
me comovem até o útero.
Mesmo assim (ou talvez, por isso mesmo)
você não cabe na minha vida.

Eu ofereço uma ponta de revista,
carona de volta à varanda.
Ela dispara parede acima, rumo a cantos escuros,
becos sem saída.

Sinto uma pontada quente de remorso.
Nalgum instante da vida fomos todos assim,
fetos espantados
apostando na tensão de superfície.

domingo, 8 de maio de 2011

Dois poemas sobre o tempo

I.
Lá de onde eu vim
O tempo faz hoje de mim
Forasteira.


1997


II.
Voltando para casa
Achando-me de fora
Me disse a mesma casa:
-- Nunca foste embora.


2011

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vocação

Vocação: ir embora.
Pintei mapas nas solas dos pés
Fiz da ponta da língua
O meu compasso.
E do batuque do trem
Meu marcapasso.
Andarilha, só sei andar.
Bom filho à casa torna. Já eu
Nasci pra errar.



2007

Agora no Facebook

Caros curiosos:

O Palavrogramas agora tem página no Facebook-- clicar aqui para acessar.
Estou pensando em me mudar.
Nada mais a divulgar.

Abs

Lavínia

terça-feira, 26 de abril de 2011

Metacarpo, metatarso

Metacarpo, metatarso
Medram por entre falanges
Coisas doídas distantes
Que se arrastam
Perambulantes
(Que arrasam)

Dores errantes.

Dos meus ventrículos
(Reles
Latejantes
Prostíbulos)

Ela me perfura

Membranas:

Ai! A minha
Raiva!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

No aniversário do Descobrimento


Coroam este céu de noite
Outrora tão sereno

Cinqüenta margaridas de pólvora.
Ai esquecimento, ai límpido veneno--

Quanta flor plantada
Em tumba errada.



1997

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Poema para o pé: O curta

A leitora Carol Matos usou o poema infantil "Poema para o pé" (de 2006) no curta Avenida Passo a Passo, gravado para a oficina de vídeo da Mostra do Filme Livre 2011, no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro:

http://www.youtube.com/watch?v=ZOdcCqa30bg

Argumento e câmera principal: Carol Matos. Coordenação: Christian Caselli. Monitoria: Mariana Bley e Pablo Pablo.

Poema para o pé
(poema infantil)

Declamo o pé,
meu nobre pé,
conhecido apenas
pelo seu chulé,
mas que tem
muitas virtudes:
sobre tudo me carrega
pra lá e pra cá
sem nem muito
se queixar.

Quem é o pé?
Ora bolas, o pé
é nada menos que
a mão da perna.
Ou será que a mão
é que é o pé do braço?
Enfim, é o pé
que me acode
na hora de andar,
de pedalar,
de correr,
de pular,
de dançar.

E é em homenagem ao
humilde pé
que temos:
o arrasta-pé,
o pé-de-moleque,
o "ao pé da letra."

Proponho o
Dia Nacional do Pé.

E a mão?
Só se for pra
plantar bananeira.
E plantar bananeira com os pés?
Isso é chamado: “Ficar de pé.”

Como preservar um poema (para F. Talal)



Pegue o poema morto
Na palma da mão
Feito um passarinho

Pequeno
E delicado
Tenha cuidado
Tenha muito cuidado

As sílabas se soltam e
caem
Escorregam por entre os dedos
Estilhaçam no chão feito
Ossinhos
De
Porcelana

Abra bem a boca. Abra mais.
Deite o poema sobre a língua
Sem morder nem pensar num só movimento
Engula.
Tece rede tênue
(Véu boçal!)
Esse Teu deus
Incandescente,
Des-
Comunal.

Desfia essa malha
Falha,
Manta-mortalha
Que te cala te rende
Te prende,

E faz do Ar

Teu pedestal.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Perder (after Elizabeth Bishop)

Perder é fácil-- não chega a ser
Nenhuma desgraça.
É tão fácil perder que não há ninguém (ninguém)
Que não o faça.
Perder as chaves, a casa, o namorado--
Perder a hora e a cabeça:
Cada perda dói, às vezes demora,
Mas dizem (e é certo)
Que tudo passa.

Mas algumas perdas são tão perdas
Que mereciam outro nome.
Ou: o silêncio.
Essa perda (por que me faltam palavras?)
Não fere a alma-- ela
Te esgarça.