domingo, 29 de abril de 2007



Tem dias que a poesia me pára e me preenche.
Tem horas que ela me vara e me esvazia.
Uma maré medonha.
Um acorde de bandolim.
A lua se aproximando e se distanciando,
Inchando e desinchando
O humor dos meus olhos,
Todo o conteúdo das minhas células.
Eu te digo: Tudo dentro de mim eu ponho a serviço
Da palavra, e mesmo assim nunca sei dizer
Quando ela me quer bem.
Ora cataplasma, ora ferida, ora gume de aço,
Ora mão tosca que empunha a espada,
Ora mão fina que me deita o curativo,
Ora a dor em si: palavra despida de sons.
Como e quando dizer, aqui termino eu e
Começa ela? Se já nem sei bem
A quem pertencem nossos nomes.


NY, abril de 2007

quinta-feira, 26 de abril de 2007



Você costumava dizer:
O mundo tem quinas
Arredondadas.
Eu vivo de joelhos esfolados
E a alma em carne viva.
Mole feito compota
E a vida é que nem o mundo,
Dura e angular.
Eis a nossa primordial
Incompatibilidade.


NY, abril 2007

terça-feira, 24 de abril de 2007



Folheando o Livro
Das Infinitas Coisas Que Não Me Acontecerão
Eu estudo tabelas, gráficos halucinantes
Das trajetórias que não seguirei, de veredas que
Não ousarei seguir, de trilhas e autoestradas que
Não terei tempo de seguir ou que não me serão
Permitidas (em hipótese alguma).
Está tudo bem mapeado,
Minuciosamente pesquisado.
Eles realmente se empenharam. Tamanha geniosidade!
Assim que fechar o livro e repor na estante
Eu tenho que me lembrar de esquecer
Que por um instante soube
O que não há de me acontecer.


NY, abril de 2007

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Miolo



Mas que miolo tenro
Tão tenro e lasso este tutano
Que ao menor contato com o mundo
Brota natas de púrpura e verde
Por baixo das armaduras de bezouro
Dos engonços das mileuma engenhocas
As amolecidas gemas mal se agüentam,
Se arrebentam
Quão fútil cada
Quebradiça carapaça
Tão tenro te fizeram este teu:
Coração a céu aberto.


Miami, abril de 2007

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Amarrada à poltrona
No ventre da ave de cobre
Eu me faço lastro
De trajetórias alheias.
Eu me deixo lançar pelo espaço
Num arco semi-controlado.
Eu cedo cada gota de controle
Sobre cada átomo do meu ser.
Eu permito que façam de mim projétil,
Eu permito que façam de mim
Carga, arma, míssil seguidouro.
Eu sou aquela pedra
No estilingue que furou o olho de alguém.
Dizem que um deus vê tudo ao redor.
Ora eu vejo
Um deus desenfaixar as mãos calejadas
Segurar o pássaro pela barriga
E comandar: vai, por enquanto vai.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Réplicas (fiéis e infiéis)



Para Helena Istiraneopulos

O mundo é imenso
E esmagadoramente rápido.


Para Nelson Luiz de Oliveira


Futuramente
O presente nos parecerá
O passado revisitado
Feito mais eloqüente.
Eu aconteço ao mundo
Conforme o desejado
Ou é ele que me acontece
E assim me desmente?


Para Helena Istiraneopulos (II)

Meu encanto: mordes quinas.
Eis meu cocar: um botão-de-água.
Te sondo, xamã eu,
Com algum ungüento.
Me danças uma valsinha? Um minueto?
Minha Otília, me chegas
Empunhando facas, recitando crismas.
Pululam as tuas anáguas,
Ondulam nádegas e
Eu te ressinto no fígado.
Me desdentas assim e
Eu busco uma entrada-- uma valsinha de nada!—
Pra lamber a ferida.


Para Alessandra Espínola

Sou o inverso
Do teu verso.
És o reverso
Do meu universo.
Vide a bula:
Almas palíndromes.


Para Alessandra Espínola (II)

Sou o alvo.
Sou o ar que se aparta
Sou o sibilar da ponta
Sou o zumbido da seta
Sou a certeza da flecha
Sou a corda que estira
Sou a mão que repuxa
Sou o arco
A arqueira
Sou a mira.

Para Escobar Franelas

O passo que me traz a tarde
É o meu, e o mesmo afago:
Devolve, caro poeta
O meu olhar de favos
no engolir de pesadelos
Sou eu
Praquem o diabo, caro poeta,
Apenas basta.


Para Escobar Franelas (II)

filiação : etendam : fio d'aflição.


Para Alessandra Espínola (III)

Escondo tão bem ser um pouco triste
Escondo tão bem
No entanto, das minhas entranhas
(Quanto metal retorcido)
Brotam legendas, todas
De mapas alheios.



Para Luiz Guerra


No calor da chegada
Tudo se acomoda no apartamento novo—
Todas as xícaras,
Enfileiradas na estante, ecoam
O rebuliço das paredes.


Para Luiz Guerra (II)

Casamenteiras,
A todos podiam atar
Estas mães-países:
Juntar continentes, desmentir fronteiras,
Lacrar
Todo o seu vasto reino
Num só grão de arroz.


Para Elias Borges de Campos

Na testa da fera
Entre ponteiros certeiros
A menina espera.


Para Cristina Nunes

De dia, os cílios vivem separados
Cada um na sua, como que brigados.
Juntando-se apenas vez ou outra
Por centésimo de segundo
Para verificar que o colega
Ainda mora ali ao lado.
Quanto a noite cai,
Vence a camaradagem
De tantos anos de casamento.
Beijam-se as pálpebras
Entrelaçam-se os cílios:
Consuma-se a
Re-con-ciliação.

Poema de aniversário



Tem ausências que te escaldam
Feito baldes d’água quente.
Outras tantas se sentam ao teu lado
E te fitam silenciosas, aqueles
Gordos vazios mal-apaziguados,
Todos vácuos que se inflam,
Balões reconchudos no teto do
Saguão onde não estouram, vazios
Bem-marcados que te seguem
Pra casa, pra cama, que perfuram
A madrugada, ausências tão
Presentes que te mancham a vista,
Te desabrocham pelo dia
Num pulsar de veia cava.



(hic- bebi demais, amanha eu termino. LS)

sábado, 14 de abril de 2007

Estar só



Estar só já não me espanta—
A solidão hoje me é
Contígua.
(Um vaso e a sua sombra).

Companheira espelhada das horas magras,
Sempre muda, reflexiva.
Ouso dizer? Meio
Amiga.

O que temo, justamente, é:
Me acostumar de vez
Com essa tímida
Rapariga.


NY, abril de 2007

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Música



Você tem as mãos leves,
A alma larga
E a poesia indócil.
E ao seu lado nada de nada
Resta incólume.

Azulejos rangem e racham
Sob os seus saltos.
No seu colo
Mesmo o mar
Esquece o próprio embalo,
Vira do avesso, suspira
Quebrado.

Você espalma as mãos
E vê que as linhas
Traçam pautas.
A música
É de uma doçura indescritível, e
Selvagem como qualquer mundo.


NY, abril de 2007

Cada poema uma folha



Cada poema uma folha
Dum caderno espiral--
A letra-chefe de cada linha
Uma volta de arame em caracol
Fio que me costura e me segura,
Metálica rotante inescapável
(Ufa! Coisa dura!)
Coluna
Vertebral.


NY, abril de 2007

segunda-feira, 9 de abril de 2007



Você acorda:
Delgada película
Que enluva a tua dor.
Dor que antes te enluvava,
Dor-de-nada,
Dor que deitava ao teu lado
Na hora da sesta
Travessa travada no gargalo tenro,
Dor que te vinha, te habitava
E que passava.
Hoje inquilina fixa,
Fumaça funesta
Que te perfura e te impregna
Cada célula do corpo.
Uma por uma,
Te oxidando – lentamente –
De dentro pra fora.


NY, abril de 2007

domingo, 8 de abril de 2007

A corda cede



A corda cede
Mais um cadinho.
Meio-metro de queda e
A barriga despenca junto.

V
u
u
u
m


A platéia urra! (se é que há platéia)
Sapatilhas dançam no ar
Um samba desengonçado
(o desespero sempre é).
E logo reencontram a corda.
O corpo reinventa algum
Risível centro de gravidade.

A desequilibrista retoma
O seu precário show
Sem rede nem barra
A mil metros de altura
Sobre o mar de concreto
Que é o chão do seu ser.


NY, abril de 2007

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Hiato



No meio da semana você abre um parêntese,
Derrama tudo quanto te preenche, aí
Fecha o parêntese
E volta pro escritório.


NY, abril de 2007

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Nem sol



Nem sol
Nem ilha
Nem farol:
Reles raio efêmero
Que liga por um triz sem-gênero
A tal ilha ao tal sol.
Portanto: da ilha-isca: mero anzol.

E talvez ainda: raio-órfã
De um sol-difunto
Esgotado desde a partida,
Sol-mãe onde
(Há mil anos-luz)
Raio, e reles raio ali
Nasci.


NY, abril de 2007

Povoam-te



Povoam-te,
Miúdas e caladas,
As roedoras dúvidas.
Trouxinhas de pólvora
Num crânio trepanado.
Os teus dedos formigando,
Antecipando a nódoa branca
Que de um estalo
Devora o breu.


NY, abril de 2007

domingo, 1 de abril de 2007

Onde eu moro



Entre sístole e diástole
Na piscadela dos olhos
Na apnéia do mar
Entre os dedos dos pés
No vazio entre os seios
No vácuo da rosca
No alento que antecede
O como-vai, o bom-dia
No umbigo do furacão
No vão da porta
Nos brancos das pautas
No papel entre as linhas
No nada-de-nada entre universos
Na pausa sincopada
Na cesura da sinfonia

Ali moro eu
Entre a noite e o dia.


NY, abril de 2007

Cifras escondidas



Pedra é matemática


Flor é matemática


Céu é matemática


Noite é matemática


Filho é matemática


Blog é matemática


Poesia é matemática


Dívida é matemática


Dúvida é matemática


Deus é matemática


(Por outro lado dizem que
Einstein foi péssimo namorado.)


NY, abril de 2007