segunda-feira, 28 de maio de 2007
Viajar é preciso.
Viajar é preciso.
Para isso foram feitas as solas dos pés:
Para percorrer vastas distâncias desconhecidas.
E tendo-as percorrido, estes nossos bravos
Revestimentos, calejados, podem então
Voltar pra casa afinal apazigüados.
E para viajar também foram feitos os olhos:
Para vasculhar amplos horizontes alheios.
Tendo-os minado, estes nossos duplos
Mirantes, deslumbrados, afinal
Regressam prontos para o sono verdadeiro.
Mas para isso, é preciso viajar.
E é por isso também que
Há que se lançar o coração bem longe
Feito rede de pesca, guardando na mão cerrada
Apenas um punhado. Largar o resto
À deriva. Ele talvez se arrebente,
Ou talvez algo se emaranhe nele.
Enfim. Para que volte quem sabe
Um pouco mais sábio.
Um coração viajante não é indeciso.
Viajar
é preciso.
quinta-feira, 24 de maio de 2007
Cartícula
Caros amigos,
Vou para a África e não sei quando volto.
(Uma vida sem fio nem meada.)
Mas a porta e a aldrava permanecem. De vez em quando acrescentarei alguma coisa neste canto. E visitarei também os seus.
Bjs
LS
Aproximação noturna da África
Tulipa incandescente,
A tua luz sibilante
Me roça a derme.
E desperta em mim
Séculos de paixões intercaladas
Com estranhas dormências. E
Minhas extremidades começam
A formigar.
E um linho branco e transparente
Estende-se sobre o continente.
Por debaixo, coisas aflitas se debatem.
Suspiros de papiros.
Solfejos de percevejos e por toda parte,
Trovoadas e lampejos.
Meu ventre vive inchado
De água feito um baobab.
Por não saber abraçar o deserto
Eu arranho o céu.
Você me fincou raízes por entre costelas
E abriu no meu tórax uma boca
De janela.
E por entre os seus dentes
O que eu enxergo é
A África.
sexta-feira, 18 de maio de 2007
Aos desaparecidos
Mãe me arrancaram do teu ventre
E do teu colo meu sumido pai.
E restou de vocês só
Água na pedra.
E é por isso que tenho olhos de pixe
E esta boca de alçapão.
E minha sombra, esse escuro tão escuro
Que chega a ser escuro
De porão.
quinta-feira, 17 de maio de 2007
O mar ausente
Sou toda mar, Maria sou
Cintilâncias latejantes
Orlas de ferrugem e marés vermelhas
Vomitando ondas nas pedras,
Altas incertezas como cordilheiras de água
Onde você fincou bandeiras.
E quando um oceano furioso
Engolir em sêco e se arrastar pra longe
É naquele vão prenhe e silencioso
Na areia espelhada Maria
Que eu vou me sentar.
terça-feira, 15 de maio de 2007
segunda-feira, 14 de maio de 2007
Para Susana
Publicar um poema
É soltar uma alcatéia de lobos
Por campos roliços. Você
Desenterra guerreiros de terracota
Do chão branco de uma página,
Alça romances de vãos ocultos.
A cada escolha, Susana,
Você tenta tempestades do outro lado
De outras luas. Dá-nos poemas,
Editrix, para que o caos do mundo
Brote nas nossas rachaduras,
Medre pelas
Falésias que nos preenchem,
Passe e repasse por entre
Estes nossos duros dentes.
sexta-feira, 11 de maio de 2007
Disso fomos feitos: dum
Bailarino pólen.
Nanocoisas num megauniverso.
Pó de estrêla,
Restos de convulsões galáticas.
Átomos
Prótons
Quarks
Pensamentos subdivididos até a abstração.
Pontos
sem dimensão.
Cada um seu
Ponto-e-vírgula, um
Nódulo matemático.
E pra isso vivemos: em busca de redes.
Espichando-se em linhas.
Disso nascemos: Do lampejo efêmero
No branco do olhos
D’algum deus distraído.
quarta-feira, 9 de maio de 2007
terça-feira, 8 de maio de 2007
Ao me espreguiçar as solas dos meus pés roçam uma supernova em plena implosão.
Eu me reviro na cama, as solas ardendo.
Depois a vejo de novo em sonho,
Íris fulminante pulsando roxa num breu gelado.
Encolhida em si.
Um núcleo tão miúdo e denso que uma colherinha apenas
Pesaria milhões de toneladas.
Eu na minha cama.
domingo, 6 de maio de 2007
Montanhas como
Casulos de pedra como
Vultos de cócoras
Sentinelas agachados
Aguardando sob
A superfície da terra
Prestes a arrebentar o
Gentil manto
A rasgar o encanto
Da calmaria
A qualquer sinal
Aguardando e
Quando a terra urra
Todo o mundo
Assistindo televisão
Acha que é aeronave
Cumprindo a sina
E que as montanhas dormem
Que elas têm sonhado
Desde o começo do mundo
sábado, 5 de maio de 2007
quinta-feira, 3 de maio de 2007
Amaríssimas
As feições do homem
Que pinta o teto da capela.
Respinga do alto
Rubro de cádmio, azul de cobalto,
E o rosto do homem torna-se
Em si uma paleta.
Pigmentos sangram flores no gesso molhado.
Mundos se deslocam sob os andaimes.
Rangem os esteios, estalam as amarras
E quantos contos outrora doces
Agora se debatem na tinta e na água.
Plangentes e persistentes.
Sobre o altar,
Feixes e tendões, máquinas de músculos,
Bocas e bocas urrando silêncios.
Um emaranhado de corpos retorcidos
Num terror extasiado.
Um juízo final levantado da têmpera.
Uma gotícula de suor escorre
Pela fronte, o filete
Faz arder um olho entrecerrado.
Faz-se um deus de zarcão e alcaiade.
Mas que outro deus é esse
Aguardando no peitoril?
Em era de guerra
Mesmo em capela
Pinta-se guerra.
NY, maio de 2007
quarta-feira, 2 de maio de 2007
terça-feira, 1 de maio de 2007
Medrar por entre verdes
Saias, serpentinas samambaias.
Sombras densas pisando sombras leves.
Um monte de coisas frondosas
E fulgurosas, copas de árvore,
Carpetes de musgo, coisas que se
Agarram e se entreabraçam.
Um denteio de laca num espichar de
Pescoço. Eis tudo o que eu quero.
Um embrulho de folhas, redes de eras,
Dedos de endro adentrando pela boca.
Eis tudo o que eu quero,
Ninho húmido em terra fofa.
NY, maio de 2007
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