domingo, 26 de novembro de 2006

Relicário

um terço de primeira comunhão
primeira e última comunhão

uma presilha viúva
íris de tule despedaçada

um Jesús lacônico, desbotado
segurando o próprio coração

onze medalhas de natação
ainda cheirando a cloro

uma bonequinha de porcelana
a boca pintada de carmim

protagonista aposentada de
grandes batalhas intergaláticas

de nenhuma cena doméstica
que eu eu me lembre

dois diários fracassados
confissões mentirosas

de quem escreve imaginando
quem as lê anos depois

retalhos de outrora
e no fundo do baú:

eu menina, doce-feroz
com presilhas de tule

medalhas no peito
cabeça cheirando a cloro

travando batalhas na areia
bem-mijada do parquinho

com bonecas de porcelana
generais de aventais

eu que hoje
mal me reconheço.

Um comentário:

Ricardo disse...

dois diários fracassados
confissões mentirosas

de quem escreve imaginando
quem as lê anos depois

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Excelente isso.